Deeptechs e agricultura regenerativa, mais forças do interior paulista Deeptechs e agricultura regenerativa, mais forças do interior paulista

Deeptechs e agricultura regenerativa, mais forças do interior paulista

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Conheça duas deeptechs de Ribeirão Preto que atuam em prol da agricultura regenerativa e foram selecionadas para programa de inovação da Shell.

Determinar o número exato de startups em operação no mundo em 2023 é uma tarefa complexa. No entanto, segundo estimativas da Startup Genome, cerca de 3,5 milhões de startups estavam ativas globalmente.

De acordo com o Radar Agtech Brasil 2023, há aproximadamente 1.953 agtechs em operação. Afunilando um pouco mais o relatório, desse total, cerca de 44 são deeptechs (empresas com forte base científica) e atuam no agronegócio, representando cerca de 2%.

Dando um zoom ainda maior nesse universo das deeptechs do agro, segundo a Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE), apenas entre 5 e 10 deeptechs do agronegócio brasileiro se especializaram em soluções para solos, e algumas delas estão no interior.

O destaque das deeptechs do interior no programa da Shell

Duas startups focadas em empreendedorismo tecnológico, com o diferencial de possuírem base científica 100% nacional, com todas as fases de desenvolvimento tecnológico (TRLs) realizadas no Brasil, conseguiram um feito inédito para toda a comunidade se orgulhar, em especial a Ribeirão Valley: foram selecionadas para participar do programa de inovação do Shell StartUp Engine. São elas: Quanticum e SarDrones.

O Shell StartUp Engine é um programa global de inovação focado na aceleração de startups em estágio de maturidade de inicial a médio, que buscam desenvolver suas capacidades e impulsionar o crescimento de seus negócios inovadores dentro das temáticas definidas pela Shell.

Além disso, as duas agtechs foram destaque no primeiro filme brasileiro sobre agronegócio, abordando tecnologias de base científica. O filme já está sendo apresentado em outros países, como Espanha.

Deeptechs brasileiras no programa Shell StartUp Engine

O que são deeptechs?

As deeptechs são soluções baseadas em ciência e focadas em questões globais. Algumas características das deeptechs:

  • Utilizam processos avançados para resolver problemas complexos;
  • Possuem alto valor agregado de capital humano;
  • Geram conhecimento e tecnologias de ponta Oceano Azul;
  • São orientadas para a solução de problemas de relevância global, muitas vezes conectando-se diretamente com uma ou mais ODS;
  • Seu valor de mercado cresce exponencialmente quando vencem os riscos de P&D durante o processo de desenvolvimento nos TRLs iniciais;
  • Estão conectadas aos ecossistemas científicos e muitas vezes apresentam propostas já validadas por instituições de grande reputação para reduzir os riscos de P&D, como FAPESP, FINEP, CNPq, Unesp, Embrapa, Universidade de São Paulo, entre outras.

Transformações incríveis moldam o presente e o futuro do agronegócio brasileiro! De um ano para o outro, testemunhamos mudanças notáveis, mas quando refletimos sobre a evolução do agronegócio no Brasil, as transformações são verdadeiramente extraordinárias.

Pensem nos desbravadores como Alysson Paolinelli, Eliseu Alves, Johanna Döbereiner, Elizabeth A. B. de Campos e Ana Maria Primavesi. Visionários que não apenas imaginaram, mas lutaram por mudanças que revolucionaram a prática agrícola e nossa alimentação diária.

Projetos pioneiros como o Genoma Soja na década de 90, cultivares transgênicas nos anos 2000, Integração Lavoura-Pecuária (ILP) em 2010, Projeto Prodecer, Programa de Promoção Comercial do Agronegócio, BR-163, Ferrovia Norte-Sul, Política Nacional de Mudanças Climáticas e agricultura digital nos últimos anos são marcos dessa notável evolução.

Ao revisitarmos a história dos biológicos no Brasil, conectada à história do ex-professor Santin Gravena na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), um dos expoentes do manejo integrado de pragas (MIP) e do controle biológico desde os anos 70, podemos perceber a resiliência, criatividade e a comunicação assertiva necessárias para transformar paradigmas. De um mercado de menos de R$ 100 milhões na década de 1990 para quase R$ 20 bilhões em 2030, o impacto é inegável.

Acreditamos nesse alinhamento, na construção conjunta para ajudar gente com ciência nacional. O fato de as agtechs terem sido algumas das poucas selecionadas pelo mais alto nível e critérios do Shell StartUp Engine e do comitê do primeiro filme brasileiro chancela que elas estão no caminho certo, e que o interior paulista tem muita coisa para mostrar, contar e se orgulhar, mas também combater.

O solo e a agricultura regenerativa

Acreditamos que o solo e suas nanopartículas naturais, além da tecnologia embarcada nos drones, sejam a base para impulsionar a 4ª Revolução Agrícola. Duas das nove fronteiras para estabilidade do nosso mundo têm relação direta com o solo, quase 25% (1/4).

De acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU), para cada R$ 1 investido no conhecimento sobre o solo, o potencial de retorno é de R$ 180, mas o Brasil ainda carece de especialistas nesse segmento, proporcionalmente à quantidade de agricultores e dada a importância do solo para cultivos agrícolas.

A Quanticum foi a primeira startup do Brasil a ter um pedido de patente concedido para agricultura regenerativa, medindo a regeneração e degradação do solo. É no solo que começa a agricultura convencional, de precisão, digital ou regenerativa.

Diego Siqueira, CEO e cofundador da Quanticum
Diego Siqueira, CEO e cofundador da Quanticum

A metodologia e os estudos da Quanticum sobre o solo

Inspirada nos avanços das ciências da saúde com base na tipificação do solo, sangue A, B, O e outras variantes, a Quanticum desenvolveu uma metodologia para fazer a tipificação de argilas do solo. Imagine se os médicos e hospitais tomassem as decisões de todos os transplantes e transfusões do Brasil com base na quantidade de sangue que o doador tem e na quantidade de sangue que o receptor precisa, sem levar em conta a tipologia do sangue. É isso que temos feito nas práticas agrícolas mundiais há décadas.

Compras e arrendamentos de fazendas, planejamentos de uso do solo em áreas urbanas, planos de adubação, sistemas de irrigação e estratégias de plantio são apenas algumas das decisões fundamentadas na textura ou na quantidade de argila do solo (% do teor de argila, % do teor de silte e % do teor de areia).

No entanto, as argilas não são iguais. Para simplificar, muitos técnicos agrupam a tipologia da argila em óxidos de ferro, alumínio, 2:2 e 2:1. Mas, na prática, não é tão simples assim. Imagine como seria o sistema de transfusão e transplante se o sistema de saúde considerasse apenas os tipos sanguíneos A, B e O.

Os diferentes tipos de argila no solo

Existem mais de 200 tipos diferentes de argila que se formam no solo, incluindo cerca de 20 tipos de óxidos de ferro e cerca de 10 tipos de óxidos de alumínio.

Empresas como NovAmérica já têm 100% de suas áreas próprias mapeadas com a tecnologia de tipologia da argila para agricultura regenerativa. A tecnologia permitiu à NovAmérica ganhar o prêmio de melhor solução durante congresso internacional de inovação aberta no Rio de Janeiro.

Produtores da região, como Armando Fábio Nascimento, já utilizam a tecnologia em 100% de suas áreas. A média de produtividade de soja saiu de 65 sacas por hectare para mais de 95 sacas por hectare. “Grupos pioneiros como Casa Bugre, Cooxupé e Irani, também já se posicionam com olhar atento para agricultura regenerativa e as novas metodologias para solos tropicais”, comenta Diego Siqueira, engenheiro agrônomo e sócio-fundador da Quanticum.

Ciência, reconhecimento e caminhos para longevidade de nosso solo

“Que a conquista dessas duas startups possa inspirar outras empresas de tecnologia do interior de São Paulo. Indo além, que essas conquistas com DNA do interior com “R” puxado, possam mostrar que a inovação prática, baseada em ciência e inclusiva, pode surgir de qualquer lugar”, comenta o fundador da SarDrones, Gustavo Scarpari.

Gustavo Scarpari, CEO e cofundador da SarDrones
Gustavo Scarpari, CEO e cofundador da SarDrones

Quanticum, SarDrones e Arara Seed acreditam que o Manejo Integrado de Fertilizantes (MIF) no Brasil seja um dos pilares para agricultura regenerativa e 4ª Revolução Agrícola, podendo aprender com os passos do Manejo Integrado de Pragas (MIP), iniciado na década de 1970 no país, com referências como o professor Santin Gravena da UNESP. Hoje o MIP e biológicos são alguns dos diferenciais do país no mundo e base para programas de regeneração, comenta Diego Siqueira.

As agtechs do interior sempre foram um bicho diferente no mundo das startups, sejam unicórnios ou camelos. Preferimos um bicho da fauna brasileira como o tatu: armadura imbatível, força descomunal, habilidades sensoriais aguçadas, adaptabilidade exemplar, arquitetos da natureza, mestres da camuflagem, reprodução estratégica e grande importância ecológica. Bom, essas são apenas algumas das qualidades fantásticas do tatu, das quais quase ninguém fala, conhece, tem ouvidos atentos para escutar ou indicadores adaptados para uma triagem. “A Arara Seed já se ajustou para olhar, compreender e apoiar esses novos bichos da fauna da inovação brasileira”, comenta Henrique Galvani, da plataforma de equity crowdfunding Arara Seed.

À medida que nos aproximamos da COP30, marcada para 2025 no Brasil, a temática da agricultura sustentável ganha ainda mais relevância. Remineralizadores, tropicalização de métodos para saúde dos solos e o MIF podem ser temas fortes para COP30 e para a Agrishow 2024, impulsionando inovações para combater as emissões de gases de efeito estufa, indo além do carbono, impactando na “regeneração do solo” e nas funções ambientais do planeta.

O vice-presidente da República, ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e presidente do Conselho Nacional de Fertilizantes (Confert), Geraldo Alckmin, reforça a importância de novos métodos brasileiros para agricultura tropical:

“A ideia é que melhores insumos de nutrição de plantas, e a preços mais competitivos, estejam sempre à disposição do agricultor brasileiro por meio do aumento da produção nacional e da diversificação da oferta. Outro ponto essencial é a melhoria do ambiente de negócios (regulação, tributação, desburocratização) e a consolidação de um sistema eficiente de distribuição e armazenamento.”

A cada passo dessa jornada, novas perguntas sobre o movimento deeptech brasileiro foram surgindo: quanto vale uma startup científica deeptech ou de agricultura regenerativa? Quanto vale um conhecimento, especialmente aquele já tropicalizado, ajustado para as condições brasileiras? Qual o poder transformador e impacto positivo sobre o retorno da aprendizagem ROL?

Hoje, no Brasil, são quase 38 mil grupos de pesquisa. São quase 3 mil grupos de pesquisa na grande área de ciências agrárias, recursos florestais e pesqueiros. O epicentro das deeptechs são esses grupos, muitos deles da região de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo.

Hoje, empresas como Arara Seed, Quanticum e SarDrones concentram seus esforços em ajudar pessoas a transformarem suas vidas e o planeta com base no conhecimento humanizado e inclusivo. O conhecimento nos faz entender que somos cidadãos em tempo integral, nos faz entender que mesmo testemunhando injustiças, dificuldades e tristezas, é possível transformar. Basta querermos e nos conectarmos de forma genuína.

Diego Siqueira
Além de atuar na Quanticum, Diego é professor no SOLLO Agro-ESALQ-USP, um dos maiores programas de extensão da América do Sul, embaixador do Fundo Patrimonial da UNESP Prospera, colunista em canais de comunicação do agronegócio, membro do Comitê Tecnológico da ABREFEN e voluntário em iniciativas para promover a inovação aberta e o movimento das deeptechs brasileiras. Foi reconhecido como um dos principais cientistas e líderes em inovação e tecnologia para saúde do solo e agricultura regenerativa na América Latina, com mais de 80 artigos, nove capítulos de livro, uma patente, prêmios, participações em redes e ecossistemas de inovação.

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