Agricultura regenerativa: cultivando um futuro sustentável no agro Agricultura regenerativa: cultivando um futuro sustentável no agro

Agricultura regenerativa: cultivando um futuro sustentável no agro

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A agricultura regenerativa, concebida por Robert Rodale em 1983, surge como resposta aos desafios ambientais da agricultura moderna. Diante da degradação do solo, perda de biodiversidade e mudanças climáticas, traz a possibilidade de produzir enquanto se recupera a terra. Uma ferramenta vital na construção de um futuro agrícola sustentável, demandando a colaboração de agricultores, pesquisadores, governos e consumidores para sua adoção generalizada e transformadora.

O que é agricultura regenerativa?

A agricultura convencional enfrenta desafios como erosão do solo, desperdício de recursos hídricos, dependência de insumos químicos e contribuição para as alterações climáticas. Em contrapartida, a agricultura regenerativa é um caminho para resolver esses problemas beneficiando tanto os agricultores quanto o meio ambiente.

A agricultura regenerativa é uma abordagem que vai além da mera sustentação e gestão dos recursos naturais, ela busca ativamente a regeneração desses. Objetivada na proteção e no não esgotamento do solo, é o ato de se produzir concomitantemente a restauração da saúde do solo, preservando a biodiversidade. O modelo se opõe à expansão descontrolada para novas áreas e a dependência de insumos químicos, visando manter a produtividade do solo em longo prazo, sem afetar a produção de alimentos e o meio ambiente.

Robert Rodale, cunhador do conceito, o fez com o intuito de aprimorar a agricultura orgânica para se tornar algo palpável. Embasado nos princípios da orgânica, a agricultura regenerativa prioriza as práticas voltadas para a saúde do solo e gestão da terra, rentabilizando a produção ao mesmo tempo em que possibilita condições para a natureza se recuperar. Assim como dito por ele em uma entrevista para o USDA em 1989, é um conceito menos abrupto e mais atrativo, que não muda totalmente as práticas tradicionais de produção e está atrelado apenas ao início da cadeia.

Trata-se de um modelo holístico porque abrange uma abordagem integral e interconectada na produção agrícola. Em vez de focar apenas em aspectos isolados, como a produtividade das safras, ela considera o sistema como um todo, levando em conta o solo, a biodiversidade micro e macro, a gestão hídrica e a resiliência climática. Esse enfoque holístico reconhece as complexas interações entre os elementos do ecossistema agrícola e promove práticas que o contemplam por completo. A agricultura regenerativa visa criar sistemas agrícolas que se assemelham a ecossistemas naturais, nos quais cada componente desempenha um papel vital na sustentabilidade e necessita do mínimo de interferência.

Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF)
Fonte: Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) – John Deere

Os princípios básicos da agricultura regenerativa

Os princípios da agricultura regenerativa são fundamentais para orientar práticas agrícolas que visam à recuperação e à sustentabilidade dos ecossistemas agrícolas. Aqui estão alguns dos princípios centrais:

Os princípios básicos da agricultura regenerativa

Principais práticas de agricultura regenerativa

Suas práticas são fundamentadas principalmente em processos voltados para a restauração do carbono orgânico e outros nutrientes no solo. Já existem práticas difundidas que seguem os princípios da agricultura regenerativa:

Plantio direto:

O plantio direto é uma prática que envolve o cultivo de plantas sem a necessidade de revolver o solo, diferente dos métodos tradicionais, nos quais o solo é arado e revolvido antes do plantio.

O processo é basicamente manter uma cobertura constante sobre o solo, muitas vezes usando os restos da colheita anterior (palhada) ou culturas de cobertura para proteger o solo contra erosão, ajudar na retenção de umidade e fornecer material orgânico. E alternar diferentes tipos de culturas na mesma área ao longo do tempo. Isso contribui para a diversidade do solo, aumento da atividade microbiana, prevenção contra o esgotamento de nutrientes específicos e redução da incidência de pragas e doenças.

Sistema agroflorestal:

O sistema agroflorestal é uma prática agrícola que integra árvores, arbustos e outras plantas perenes com culturas agrícolas em uma mesma área.

Essa abordagem busca imitar as características de uma floresta, aproveitando os benefícios da interação entre diferentes elementos do ecossistema. A presença de árvores e plantas contribui para a ciclagem eficiente de nutrientes, melhora da fertilidade e enriquecimento do solo. Além disso, a vegetação florestal ajuda a proteger o solo contra erosão, reduz o escoamento de água e pode criar microclimas favoráveis ao redor das plantas protegendo-as de condições climáticas extremas.

Essa prática é fomentada por agtechs brasileiras como a Agroforesty, que conecta agricultores que cultivam em sistemas agroflorestais regenerativos a empresas que querem compensar suas emissões de carbono. Eles executam plantio de árvores em sistemas agroflorestais de pequenos agricultores de acordo com a demanda das empresas clientes, impactando não só o ambiente como também a agricultura familiar.

Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF) – Sistema Agrossilvipastoril

O sistema agrossilvipastoril é a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) em uma mesma área. Tem intenção de otimizar a produção agrícola, promover a sustentabilidade ambiental e melhorar o bem-estar animal.

A floresta corresponde a árvores que podem ser nativas ou plantadas, madeireiras ou frutíferas, podendo ser outra fonte de renda para o agricultor. Na mesma área há o cultivo de gramíneas e outras plantas forrageiras para alimentação animal. A pecuária pode ser gado ou outros animais de pasto, e a presença dos animais é benéfica para a fertilização do solo por meio dos resíduos orgânicos, além de promover a ciclagem de nutrientes. Por fim, a lavoura pode ser cultiva entrelinhas de árvores, intercalando áreas de floresta-pecuária-lavoura, com arranjos que façam sentido para a área rural. Pode utilizar o espaço para rotação de culturas enriquecendo ainda mais o solo, ou também pode haver projetos específicos sobre adaptação da área para lavoura ou pastagem de acordo com a época do ano.

Confira os benefícios de se adotar um sistema agrossilvipastorial:

Benefícios do sistema agrossilvipastoril
Fonte: Embrapa

Pastejo Rotacionado:

O pastejo rotacionado é uma prática de manejo de pastagens que envolve o controle estratégico do acesso dos animais a diferentes áreas do pasto em intervalos regulares.

O sistema de pastejo rotacionado divide a pastagem em parcelas menores, conhecidas como piquetes, e os animais são movidos de um piquete para outro em um padrão rotativo. A regulação do movimento dos animais, em vez de permitir que pastem livremente em uma área por um longo período, impede que eles consumam excessivamente a vegetação em uma única área, permite que a grama se recupere e promova a saúde da pastagem e do solo, além de reduzir o risco de degradação e otimizar a utilização da forragem.

Benefícios da agricultura regenerativa

Entendendo as principais práticas, surge o pensamento sobre a dificuldade de implementar essa abordagem. Um dos maiores desafios, além da resistência em mudar por apego à tradição, é a necessidade de investimento elevado na construção da operação.

Todavia, as vantagens de um sistema assim fazem valer a pena. Listamos algumas para você:

Solo saudável e mais produtivo

Assim como enfatizado anteriormente, o principal objetivo dessa abordagem é a rentabilidade e a preservação do solo. O enriquecimento e melhora da base do plantio é, por si só, um fortalecedor da cultura e faz com que o agricultor dependa menos de produtos químicos para o solo, além de não prejudicar a natureza e remover a necessidade de mudanças de área de plantação por degradação.

Para auxiliar na manutenção de um solo saudável, existem agtechs com soluções para isso, como a Quanticum, que gera relatórios e mapas de desempenho agrícola baseados no magnetismo do solo por meio de uma tecnologia de multissensores. Esses relatórios e mapas são ferramentas valiosas para produtores, permitindo uma análise abrangente da saúde do solo e orientando estratégias para otimização da performance agrícola.

Mitigação das mudanças climáticas

Em vez de ser um emissor de gases de efeito estufa, o solo passa a armazenar mais carbono e a contribuir de forma positiva no combate às alterações climáticas. Isso acontece devido às práticas realizadas, que aumentam a matéria orgânica no solo, o que por sua vez aumenta a capacidade do solo de armazenar carbono. O Instituto Rodale afirma através do seu ensaio de sistemas agrícolas que “os sistemas orgânicos usam 45% menos energia e liberam 40% menos emissões de carbono”, além de que se todas as terras agropecuárias se convertessem em agricultura orgânica regenerativa seria possível alcançar um sequestro de carbono de mais de 100% das emissões anuais.

A Carbon Free, por exemplo, startup que já captou 1,2 milhões de reais em uma rodada Seed, trabalha para neutralizar as emissões de carbono por meio do crédito de carbono e do plantio de árvores nativas. Uma de suas atividades, que é o plantio de árvores nativas em áreas de preservação, segue o mesmo princípio: absorção de carbono durante o processo de fotossíntese, armazenando-o em sua biomassa e no solo, reduzindo a quantidade de carbono na atmosfera e desacelerando as mudanças climáticas.

Promoção da biodiversidade

A diversidade de culturas, sistemas agroflorestais e a integração de fauna e flora que a agricultura regenerativa propõe, criam ambientes agrícolas mais ricos em biodiversidade. Isso contribui para a preservação de ecossistemas locais e o equilíbrio ecológico.

Resiliência climática e segurança de produção

Sistemas agrícolas regenerativos são mais resilientes às mudanças climáticas. Práticas como conservação de água, manejo adequado do solo e diversificação de culturas ajudam as plantações a enfrentarem condições climáticas extremas. Isso faz com que os produtores não fiquem tão reféns do clima, principalmente nesse momento de instabilidade que estamos passando, funcionando em tempos difíceis sem afetar a produção.

Também poderia ser citado que esse é um diferencial entre agricultores para chamar atenção das marcas como estratégia de imagem, entretanto, essa modelagem está deixando de ser algo com caráter distintivo para se tornar uma exigência pelas grandes indústrias.

Da adoção às práticas relacionada ao ESG

A agricultura regenerativa, antes vista como selo para se destacar entre os concorrentes, tem cada vez mais se tornado um requisito para as grandes marcas. Hoje já se entende que o foco não é mais conseguir produzir mais com menos, porque isso já foi praticamente dominado com a ajuda da inovação e agtechs. Com todas as mudanças bruscas que estamos presenciando, a agroindústria já percebeu que a atual demanda é produzir com sustentabilidade e qualidade.

A PepsiCo e a Nestlé, multinacionais de alimentos e bebidas, estabeleceram metas voltadas para a agricultura de precisão. Até 2030, a PepsiCo quer que 100% da sua matéria-prima venha de fazendas que pratiquem essa modelagem, incluindo culturas de terceiros como óleos vegetais e grãos. A Nestlé está investindo 1,2 bilhões de francos suíços nos seus fornecedores para que até 2025, 20% dos seus principais ingredientes venham da agricultura regenerativa e em 2030 esse percentual seja de 50%.

Ver empresas, gigantes em seus setores, liderarem a transição da agricultura regenerativa como característica primária de suas produções só reforça o fato de que essa é uma abordagem estratégica para garantir a continuidade e a prosperidade dos negócios. E ao observar as mudanças climáticas que estamos passando, essa modelagem é o caminho mais eficiente para conseguir amenizar os desafios causados por elas.

Conclusão

A transição de práticas convencionais para práticas de agricultura regenerativa provavelmente exigirá um investimento do produtor, bem como existe uma curva de adoção. Sem o apoio adequado de grandes companhias do agronegócio/alimentos e bebidas e desenvolvimento de novas tecnologias, dificilmente teremos o sucesso que se espera desta prática.

Além disso, a tendência de que comprovar que a origem do produto é livre de desmatamento não será mais suficiente, o que realmente irá agregar valor é poder afirmar que a produção vem de métodos que impactam positivamente não só o meio ambiente, mas também a sociedade.

Recomendamos que os agricultores comecem a aprofundar seus conhecimentos sobre essas técnicas, desenvolvendo estratégias de manejo e atividades que priorizem não apenas a produtividade, mas também a sustentabilidade.

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