Você já se perguntou como é o solo da sua horta, chácara, da praça da sua cidade, construção ou fazenda? Assim como a tipagem sanguínea revolucionou a medicina, entender a tipologia do solo pode transformar a agricultura.
Na agricultura, silvicultura e até mesmo na engenharia civil, muitas decisões são baseadas nas características do solo. Termos como argiloso, arenoso, leve e pesado são comuns. Compras e arrendamentos de fazendas, planejamento do uso do solo em áreas urbanas, planos de adubação, sistemas de irrigação e estratégias de plantio são apenas algumas das decisões fundamentadas na textura ou na quantidade de argila do solo.
Será que esse conhecimento é suficiente para agricultura regenerativa, digital ou para darmos o próximo salto tecnológico tão comentado e requerido pela sociedade? Será que existem perdas invisíveis no solo, base do agronegócio, que não estamos observando ou sequer sabemos que existem?
Solo, nosso bem mais precioso na agricultura
Em qualquer parte do mundo, um solo com teor de argila de 20% significa que, para cada quilo de terra, há partículas menores que 0,002 milímetros. No entanto, todas as argilas não são iguais.
A base da agricultura digital, da agricultura de precisão, da agricultura conservacionista, da agricultura orgânica, da agricultura regenerativa e da saúde do solo é o próprio solo, mas ainda não o compreendemos totalmente.
Como antes de 1901, quando desconhecíamos a tipagem sanguínea e prejudicávamos vidas, ainda estamos aprendendo sobre a verdadeira natureza do solo. Quanto mais rápido nos conscientizarmos disso, mais vidas e ambientes iremos ajudar e salvar.
Cada tipo de argila tem um potencial distinto para a agricultura regenerativa e requer pacotes tecnológicos específicos. Por exemplo: qual a melhor fonte de adubo fosfatado para o talhão de uma fazenda? Qual a resposta a compostos orgânicos nesse talhão, alta ou baixa? Qual pacote tecnológico de micro-organismos devo focar neste pedaço de terra, induzir resistência hídrica ou biodisponibilização do fósforo? Qual variedade plantar? Todas essas respostas e muitas outras começam no solo e na tipificação de argilas.
Preservação ambiental e segurança alimentar
Entender o solo é fundamental não só para proteger os biomas, mas também para garantir a segurança alimentar. Uma pesquisa da FAPESP, destacada na reportagem especial “Recompensa no Prato” de 2018 por Fabricio Marques, indicou que os recursos destinados pela Fundação a bolsas, projetos de pesquisa e infraestrutura nos campos da agronomia e agricultura produziram um retorno de R$ 27 para cada R$ 1 aplicado. Esse retorno só é superado pelas universidades públicas, que formam mão de obra especializada com um retorno de R$ 30 para cada R$ 1 gasto.
Para avançarmos na quarta revolução agrícola, precisamos fazer mais com menos, como sugeriu Steven Chu, vencedor do Prêmio Nobel, em entrevista à Forbes. No entanto, como realizar essa revolução se não entendemos o básico da agricultura, o solo?
Em matéria especial da Revista Globo Rural, a jornalista Mariana Grilli entrevistou diferentes cientistas e produtores sobre agricultura regenerativa. A matéria “A terra pede cuidado!”, de 2021, destaca que menos de 5% do território brasileiro possui um mapa de solos detalhado, mostrando suas aptidões e vulnerabilidades para diferentes finalidades.
No dia 12 de outubro, celebramos o Dia do Engenheiro Agrônomo, mas quantos de nós conhecemos o Dia Mundial do Solo, comemorado em 5 de dezembro? Quantos de nós conhecem o ITPS (Painel Técnico Intergovernamental de Solos), análogo ao IPCC focado no clima, e que há mais de dez anos vem falando sobre o problema global de governança e perdas inviáveis do solo? Ou então a Sociedade Brasileira de Ciência do Solo (SBCS) e seus núcleos estaduais, como o Núcleo São Paulo da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo com sede fixa na UNESP Jaboticabal? A SBCS, há quase 80 anos, vem tentando mostrar a importância do solo tanto para o público do agronegócio quanto para a sociedade em geral em boletins gratuitos, com linguagem didática e informações relevantes sobre solos e funções ambientais da “terra”.
Bill Gates, em seu blog, destacou: “Devemos conversar sobre o solo tanto quanto falamos de carvão. Desejo que a inovação agrícola receba tanta atenção quanto o impacto sobre a mudança climática da eletricidade…”. Essa é uma chamada urgente para reconhecer esse recurso crucial, cujas perdas invisíveis podem gerar problemas em uma escala sem precedentes, semelhante a doenças silenciosas, como diabetes e hipertensão.
Entender e valorizar o solo são ações essenciais para qualquer forma de agricultura, seja ela digital, seja regenerativa ou qualquer outra. Assim como a tipagem sanguínea revolucionou a medicina, um conhecimento profundo sobre o assunto pode transformar a agricultura, garantindo sustentabilidade e segurança alimentar. É hora de pisarmos com consciência no chão que nos sustenta e reconhecermos a sua importância vital para o futuro da humanidade.
Diego Silva Siqueira
Cientista do solo, professor SolloAgro ESALq-USP, embaixador Fundo UNESP-Prospera, co-fundador DeepTech Quanticum