A recente aprovação do Projeto de Lei (PL) 2148/15 pela Câmara dos Deputados marca um passo gigantesco para o Brasil na regulamentação do mercado de carbono. Essa iniciativa propõe a criação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), um mecanismo que estabelece limites para as emissões desses gases, responsáveis pelo aquecimento global, e institui um mercado para a compra e venda de títulos relacionados.
Por que compensar ou reduzir o carbono da atmosfera?
De acordo com o portal da Empraba, o 5° relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) apontou que, caso as emissões de gases de efeito estufa (GEE) continuem em níveis altos, a temperatura do planeta pode aumentar 5,4 °C até 2100. A ONU confirmou que em 2023 o aumento foi de 1,45°C em relação aos níveis pré-industriais, sendo o ano mais quente já registrado, e infelizmente, 2024 pode ser pior.
O gráfico abaixo mostra a média da temperatura global em °C. Ele destaca que nas últimas duas décadas a temperatura alcançou níveis superiores a quaisquer outros registrados, se aproximando de 1,5°C acima da média.
Outro destaque de 2023 foi a quantidade de carbono acumulado na atmosfera, que chegou a registrar 423 ppm.
Esses dados reforçam a necessidade de frear as emissões de gases de efeito estufa, que cresceram majoritariamente com a Revolução Industrial; e é reponsabilidade dessas mesmas indústrias que tanto emitiram os gases remodelar sua operação e produção para alternativas sustentáveis, além de trabalhar em prol da redução e remoção do que já foi emitido. E é por isso que surgiu o mercado de carbono.
O que é o mercado de carbono?
O objetivo desse sistema é incentivar a redução de emissões de forma econômica, permitindo que o mercado determine o preço do carbono. As empresas mais eficientes em termos de emissões são recompensadas financeiramente, enquanto aquelas que excedem seus limites de emissão devem comprar créditos adicionais, incentivando-as a encontrar maneiras de reduzir suas emissões.
Ao discutir as metas climáticas e o caminho para a neutralidade carbônica, os Estados Unidos, a China e a Índia – os três maiores emissores de dióxido de carbono em nível mundial – são frequentemente o foco da atenção. No entanto, embora as emissões de CO₂ no Brasil não tenham ficado entre as 10 maiores em 2021, o papel da maior economia da América Latina não deve ser subestimado. Ao considerar as emissões fósseis e as alterações no uso do solo, o Brasil ocupa o quarto lugar no mundo em emissões cumulativas desde 1850. Também esteve entre os cinco maiores emissores de metano em 2021. Com as emissões em tendência ascendente há mais de uma década, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer para alcançar a neutralidade carbônica até 2050.
O Brasil possui a meta de reduzir 53% das emissões de GEE até 2030, e para mitigar as emissões desses gases temos duas principais alternativas: políticas de comando e controle e a precificação do carbono. A primeira diz respeito à imposição de um limite de emissões pelo Estado para os agentes, e em caso de descumprimento é aplicada uma punição. A segunda é sobre atribuir um valor financeiro às emissões de dióxido de carbono e outros gases equivalentes aos gases de efeito estufa criando um sistema econômico projetado para reduzir ou compensar as emissões.
Existem duas formas principais de precificar o carbono: taxação de carbono e sistemas de comércio de emissões. Na taxação de carbono, as empresas pagam um preço por unidade de emissão de GEE. Já nos sistemas de comércio de emissões, as empresas podem comprar créditos de carbono, conceito originado do Protocolo de Kyoto em 1997, que diz respeito à quantidade de carbono que deixou de ser emitida. A cada uma tonelada de CO₂ não emitida têm-se um crédito de carbono.
O comércio de emissões ou mercado de carbono se divide de duas formas: mercado regulado e mercado voluntário.
De acordo com Statista, o valor do mercado global de carbono disparou 13,5% em 2022, para um máximo histórico de 865 bilhões de euros. Esse crescimento ocorreu principalmente ao aumento da procura de licenças de carbono, que culminou no aumento dos preços. O comércio de carbono é a compra e venda de créditos que permitem a uma empresa ou entidade, como uma central eléctrica, emitir uma determinada quantidade de dióxido de carbono. O Sistema de Comércio de Emissões da União Europeia é o maior mercado de carbono com base no valor e representou cerca de 87% do tamanho do mercado global em 2022.
Mercado regulado de carbono no mundo
O mercado regulado de carbono opera sob a supervisão de governos ou autoridades ambientais. Nele, as empresas têm limites definidos para suas emissões de GEE. Se uma empresa emite abaixo de seu limite, ela pode vender as emissões não utilizadas para aquelas que excederam suas cotas. Esse sistema é conhecido como “Cap and Trade”.
O objetivo é criar incentivos para a redução das emissões e promover a transição para práticas mais sustentáveis, utilizando um mecanismo econômico regulamentado para controlar as emissões de carbono. Os mercados regulados de carbono são uma ferramenta crucial nas políticas climáticas globais, destinadas a mitigar as mudanças climáticas, reduzindo as emissões de GEE de maneira controlada e eficiente.
O que é mercado voluntário de carbono?
O mercado voluntário ocorre quando empresas, organizações, governos e indivíduos optam por participar voluntariamente na mitigação das emissões de GEE sem ter obrigações legais de reduzir as emissões. É realizada a venda de créditos de carbono ou outras certificações por meio de projetos que geram compensação de emissões por reduções ou remoções/capturas verificadas de GEE.
O mercado voluntário oferece flexibilidade e pode envolver o mercado internacional, atendendo empresas que tenham objetivos ambientais, reputacionais ou éticos.
Segundo a agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA), suas projeções mostram que o tamanho do mercado global de compensação voluntária de carbono chegará a US$ 2,7 trilhões (R$ 10,8 trilhões) até 2028, acima dos US$ 536 milhões (R$ 2,9 bilhões) em 2021, com uma taxa de crescimento anual composta (CAGR) de 25,7%.
Fonte: Forbes
A compensação da emissão de gases de efeito estufa
A compensação de GEE está no mercado de carbono, mas não exclusivamente como crédito. Assim como já mencionado, existe o mercado voluntário, que pode vender créditos para empresas que excedam suas cotas. No entanto, o foco do mercado voluntário não é empresas que necessitam de créditos de carbono, e sim empresas que queiram compensar suas emissões voluntariamente.
Isso se dá porque eles atendem a uma demanda específica, muitas vezes proveniente de empresas que buscam fortalecer suas estratégias de sustentabilidade e governança climática, valorizar suas marcas, diferenciar seus produtos e sua imagem. Nesse contexto, a origem, os padrões adotados e os benefícios socioambientais são de extrema importância para o comprador, assim como a qualidade do projeto.
Por isso, existem projetos de compensação que apenas emitem certificados e selos, por ser menos burocrático do que o crédito de carbono e atender a demanda de visibilidade dos compradores. Esses certificados são auditados por alguma entidade independente, para comprovar a veracidade do projeto.
Panorama brasileiro frente ao mercado de carbono
No Brasil, o mercado de carbono voluntário é o que rege o sistema, que é independente de autoridades, e já opera no país há anos. Com o aquecimento global acelerado e as consequências ambientais cada vez mais recorrentes, a sociedade tornou-se ainda mais crítica, levando a um aumento significativo no número de empresas que buscam voluntariamente compensações de carbono.
Um estudo da McKinsey apontou que o Brasil tem 15% do potencial global de capturar carbono, e que o mercado global pode chegar a US$ 50 bi em 2030. O estudo também destacou que, no mercado de carbono, houve um crescimento contínuo na demanda ao longo dos anos, enquanto a oferta não conseguiu acompanhar esse ritmo, resultando em aumentos significativos nos preços.
O fato de o Brasil explorar exclusivamente o mercado voluntário, faz com que ele não chegue nem perto do seu potencial de capturar carbono e das emissões de créditos. Isso significa menos dinheiro, menos comprometimento ambiental e nos afasta das metas estabelecidas para 2030. No contexto dessa necessidade, a discussão sobre o mercado regulado no Brasil não é recente, mas apenas em 2023 foi trazido à votação.
Em outubro de 2023, a regulamentação do mercado de carbono foi analisada pelos senadores por meio do PL 412/22, que foi aprovado de forma unânime pela Comissão de Meio Ambiente (CMA). Em dezembro do mesmo ano, houve uma nova votação na Câmara dos Deputados para o PL 2.148/2015, que também trata da regulamentação de carbono. Na votação, o PL 412 foi apensado ao Projeto de Lei votado, que agora serve como um substitutivo.
O setor do agronegócio ficou de fora do projeto de lei que vai regulamentar o sistema de cotas de emissão de gases de efeito estufa no Brasil, aprovado na Comissão de Meio Ambiente do Senado nesta semana. De acordo com o projeto, as atividades primárias do setor agropecuário não farão parte do Sistema Brasileiro do Comércio de Emissões (SBCE). A exclusão do setor atende a um pedido da bancada do agronegócio no Congresso, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), e foi considerada uma vitória.
Enquanto no Senado o agro foi retirado do texto final, o cenário tende a ser diferente na Câmara dos Deputados. Em coletiva de imprensa após o evento da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) sobre os impactos econômicos da reforma tributária, o presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR), afirmou que a regulação do mercado voluntário de carbono virá pela Câmara.
Analistas ouvidos pela Gazeta do Povo avaliam que é mais compatível com a pretensão do sistema a inclusão da agropecuária em mercado voluntário, em que se extraia benefícios com a efetiva redução de emissões. A implementação de uma medição técnica e confiável, o que ainda não há, poderá incentivar o produtor rural brasileiro a diminuir a emissão de gases do efeito estufa em sua atividade.
“Há duas propostas tramitando na Câmara com os deputados federais Zé Silva (SD-MG) e Sergio Souza (MDB-PR). Vamos regular o mercado voluntário e fazer com que o produtor possa ser beneficiado pelas boas práticas, pela preservação ambiental, pelo cumprimento da lei, pelo plantio direto, pela preservação das nascentes, pelo sequestro de carbono que a agricultura é a grande responsável”, disse Lupion. O presidente da FPA disse ainda que no projeto do Senado os produtores não estavam sendo beneficiados como deveriam, apesar de haver uma boa intenção.
Embora tenha ficado de fora do mercado regulado no projeto aprovado no Senado, a bancada do agro garantiu que a manutenção ou recomposição de Áreas de Preservação Permanente (APP), de Reserva Legal ou de uso restrito, conforme as regras do Código Florestal, possam ser elegíveis para a constituição de créditos de carbono para os fins do SBCE. “O agro neste momento foi excluído, não porque não queira participar, o agro é o grande fornecedor de crédito de carbono. Nós fizemos um acordo e quero dizer que ele foi integralmente cumprido pela senadora Leila neste relatório. A FPA está muito confortável na aprovação do seu relatório”, disse a senadora Tereza Cristina (PP-MS).
O status atual é de espera. O PL 2.148 foi enviado aos senadores que podem fazer possíveis alterações. Caso ocorram, ele retornará aos deputados para revisão. Em suma, o mercado regulado está mais próximo da realidade do país e, apesar de qualquer especificação legal que possa ser formulada, ele estabelece limites para os agentes contemplados no PL e, então, a redução de emissões de gases finalmente poderá alcançar resultados eficientes no Brasil.
O mercado voluntário e o papel das agtechs
Entre os projetos brasileiros, temos as agtechs, e quando se trata de créditos ou compensação de carbono, falamos especificamente das climate techs, que são startups desenvolvedoras de tecnologias para combater as mudanças climáticas e promover a sustentabilidade.
Elas estão naturalmente no mercado voluntário, e o que as diferencia de outros projetos são as inovações tecnológicas para efetivar o processo de redução e trazer transparência e veracidade.
Esses requisitos são fundamentais para os compradores. Em janeiro de 2023, o Valor Investe soltou a notícia de que mais de 90% dos títulos de crédito de carbono da Verra, maior emissora do mercado mundial, foram mostrados como inúteis segundo um estudo realizado para analisar os projetos da empresa.
O uso de dados, análise avançada e inteligência artificial é comum nas climate techs. Essas tecnologias são frequentemente aplicadas para otimizar processos, monitorar emissões, prever impactos climáticos e melhorar a eficiência de sistemas de compensação.
Além disso, elas se destacam por impactar socio-ambientalmente, aprimorando a solução para que beneficie não apenas o meio ambiente como também as comunidades inseridas na cadeia.
Cases de climate techs
Agroforestry Carbon
A Agroforesty Carbon é uma plataforma de Soluções ESG conectada ao marketplace de Créditos de Biodiversidade Agroflorestal (CBA). A startup conecta pequenos produtores de todo o Brasil com empresas que queiram compensar suas emissões de carbono. Por meio de sua plataforma, com os planos de assinaturas, as empresas podem escolher a quantidade de carbono que desejam compensar e assim financiam os pequenos produtores agroflorestais no plantio e manejo das árvores. Além dos planos, existem outros serviços como Inventário GEE e calculadora de CO₂.
A startup que faturou R$ 56 mil no ano de 2022, conseguiu chegar a R$ 2,5 milhões em 2023. Ela também foi reconhecida como uma das startups com maior potencial de impacto pela Pequenas Empresas Grandes Negócios da Rede Globo.
A Agroforestry recebeu um aporte de R$ 300 mil da Regenera Ventures em 2021, que foi o capital utilizado para colocar a startup em pé. Em fevereiro de 2024 a agtech lançará uma nova rodada de captação.
Mombak
A Mombak é uma empresa de remoção de carbono que tem como foco principal a Amazônia. A solução deles é o reflorestamento com espécies nativas. Eles compram áreas degradadas ou fazem parcerias com produtores, plantam árvores e vendem os créditos de carbono, sempre com o objetivo de respeitar a biodiversidade. Eles também preservam as terras reflorestadas em longo prazo para garantir que não sejam desmatadas novamente.
A empresa conta com clientes mundiais como a Microsoft, que vai comprar 1,5 milhões de créditos provindos de reflorestamento no Pará até 2032. A McLaren Racing também escolheu a startup brasileira como um dos projetos de crédito de carbono com os quais ela irá fazer acordo para zerar sua emissão líquida até 2040.
Já foi aportado na startup um total de US$ 102,9 Mi. O último financiamento foi em formato de Grant no valor de US$ 5 milhões em setembro, que veio da Fundação Rockefeller. No ano de 2023 a fundação americana distribuiu US$ 1 bilhão entre projetos com foco em soluções climáticas.
Ecosecurities (investida JP Morgan)
A EcoSecurities é uma empresa internacional de serviços ambientais com sede em Genebra, na Suíça. A empresa atua no mercado de créditos de carbono, oferecendo uma variedade de serviços para empresas, governos e instituições financeiras. Hoje desponta como um dos principais cases mundiais no negócio, penetrando cada vez mais no mercado brasileiro com grandes players: Raízen, Vale, Sumitomo.
Uma das principais metas da Ecosecurities no mercado brasileiro é viabilizar o reflorestamento de 56 mil hectares até 2030. Um projeto piloto, de 500 hectares, já foi iniciado no Mato Grosso, com participação de investidores.
Eu reciclo
Em junho de 2022 a startup eureciclo, especializada em certificação de logística reversa, anunciou a captação de mais de R$ 100 milhões em rodada de investimento série B liderada pela Ória Capital. O aporte também contou com a participação da Tera, Rise Ventures, Endeavour Scale-Up e Redpoint ventures. De acordo com a startup, os recursos serão utilizados para estruturar e expandir a cadeia de reciclagem no Brasil e na América Latina até 2023.
Conclusão
De acordo com a pesquisa da PWC há expectativa de grandes aumentos em todos os sistemas de carbonos. O sistema de comércio de emissões (Emissions Trading System, ou ETS) da União Europeia e o do Reino Unido preveem preço médio de carbono mais alto que qualquer ETS, tanto para o período de 2022-25 como para o de 2026-30. Espera-se que os preços cheguem a quase € 100 t/CO₂ (£ 86) em ambos os sistemas durante o período de 2026-30.
A demanda por créditos de carbono no mercado voluntário teve um crescimento relevante em 2021. O valor de mercado total do mercado voluntário global de carbono ultrapassou US$ 1 bilhão pela primeira vez. O aumento dos compromissos estabelecidos por empresas com metas Net Zero foi apontado pelos entrevistados como um dos principais impulsionadores dessa procura.
A produção de gases de efeito estufa mundial é de aproximadamente 50 bilhões de toneladas. O acordo de Paris, que aconteceu em 2015, estabelece a meta de que esse número chegue a 10 bilhões, mas isso não será possível sem o esforço das empresas e indústrias.
O mercado de carbono visa criar incentivos econômicos para a transição para práticas mais sustentáveis, impulsionando a inovação e a eficiência. Ele é essencial para alcançarmos impactos relevantes para o meio ambiente e consequentemente para a sociedade e vida terrestre. A regulação do mercado não só obriga a redução de emissão das grandes indústrias, como também irá propagar a ideia da sustentabilidade.
Com tantas empresas ajustando suas práticas, aquelas que não atenderem às metas de redução de emissões de gases de efeito estufa serão malvistas, sendo, de certa forma, incentivadas a iniciar processos de compensação. Esse movimento, mesmo que devagar, cria um efeito cascata, pressionando as empresas não contempladas pelo regulamento a também entrar em conformidade com as metas ambientais.