El Niño e La Niña: como esses fenômenos climáticos interferem na agricultura

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Acompanhe como agem os principais fenômenos climáticos e sua influência no agronegócio.

A agricultura existe desde os primórdios da civilização e desempenha um papel significante no desenvolvimento de sociedades e da forma como o ser humano se relaciona com o campo. Para um melhor rendimento produtivo e qualitativo de plantações, as civilizações passaram a estudar e analisar a influência de diferentes climas nos mais diversos locais, a fim de entender como as condições meteorológicas afetam a produção agrícola e, assim, elaborar metodologias que melhorassem a colheita de safras.

Clima e agricultura estão intrinsicamente conectados, sabemos disso, e no Brasil esse fato se torna ainda mais perceptível. A grande extensão territorial e a presença de diversos cenários climáticos, ocorrendo de forma simultânea, trazem desafios e preocupações para o exercício das atividades agrícolas no país.

Por exemplo, o Nordeste brasileiro é principalmente afetado pelo clima árido e terras secas, que impedem a instauração de técnicas agrícolas eficientes, ao passo que na região Sudeste ocorre o oposto: clima ameno, com presença de geadas e granizo que afetam culturas sensíveis, como é o caso do café.

Além de condições climáticas adversas e meteorologicamente previsíveis, há também fenômenos meteorológicos que se repetem em períodos específicos e acentuam ainda mais a influência do clima sobre a agricultura brasileira. É o caso do El Niño e da La Niña.

Fenômenos climáticos ENOS

Antes de adentrarmos nos conceitos gerais sobre o El Niño e a La Niña, é fundamental que compreendamos a definição dos ENOS.

O El Niño Oscilação Sul (ENOS) é caracterizado pela interação entre a atmosfera e o oceano na região do Pacífico Equatorial, e possui duas fases distintas: o El Niño (fase quente), associada ao aquecimento anormal das águas do Oceano Pacífico, e a La Niña (fase fria), vinculada ao resfriamento dessas águas.

Ambas as fases têm o potencial de influenciar significativamente os padrões climáticos ao redor do mundo, devido ao fato de alterarem os fluxos de massas de ar, que podem acentuar ou reduzir o volume de chuvas a depender da região.

O fenômeno ENOS tem suas características monitoradas e divulgadas por dois principais índices, sendo eles:

Índice Oceânico Niño (ONI)

Calculado pela média móvel trimestral da anomalia de temperatura da superfície do mar na região do Niño, localizada na porção central do Pacífico Equatorial, por ao menos três meses consecutivos, com valores de anomalias superiores a 0,5°C para eventos de El Niño, e inferiores a -0,5°C para eventos de La Niña.

Define-se eventos de El Niño quando as anomalias são superiores a 0,5°C por cinco períodos trimestrais consecutivos, e eventos de La Niña quando são inferiores a -0,5°C, durante o mesmo período.

Conforme os dados abaixo, podemos notar o aquecimento das águas da região do Pacífico, trazendo um clima seco na Oceania, ademais a presença de um clima mais frio na região da Nova Zelândia. O Brasil, nesta época do ano (com o fim do El Niño), apresenta um clima mais chuvoso e ameno entre a região Sudeste-Sul e temperaturas mais altas em regiões que partem do norte do Sudeste brasileiro, rumo às regiões Norte e Nordeste.

Temperatura da superfície do mar - el niño
Gráfico 1 – Temperatura da Superfície do Mar (TSM): 15/07/2024 a 22/07/2024. Fonte: “Condições atuais do ENOS: neutralidade” – CPTEC

Anomalia de temperatuda da superfície do mar - el niño
Gráfico 2 – Anomalia de Temperatura da Superfície do Mar: 15/07/2024 a 22/07/2024. Fonte: “Condições atuais do ENOS: neutralidade” – CPTEC

Índice de Oscilação Sul (SOI)

Representa a diferença na pressão média do ar entre Taiti (região da Polinésia Francesa – Pacífico central) e Darwin (norte da Austrália).

Durante El Niño, a pressão é mais baixa no Taiti e mais alta em Darwin, resultando em um SOI negativo; durante La Niña a situação é oposta, com um SOI positivo.

Evolução da anomalia de TSM e IOS
Gráfico 3 – Evolução da Anomalia de TSM e IOS. Fonte: “Condições atuais do ENOS: neutralidade” – CPTEC

O que é e como é caracterizado o El Niño?

O El Niño é caracterizado pelo aquecimento anormal da superfície das águas do Oceano Pacífico próximo à Linha do Equador. O fenômeno provoca chuvas intensas, secas prolongadas e o aumento das temperaturas no território brasileiro.

Ocorre em intervalos de dois a sete anos e possui duração entre nove e 12 meses, podendo se estender até 18 meses em alguns casos. No Brasil, o clima na região Sul é geralmente marcado por chuvas, enquanto no Nordeste pela presença de seca.

O que é e como é caracterizada a La Niña?

A La Niña refere-se à diminuição da temperatura da superfície das águas do Oceano Pacífico Tropical Central e Oriental. Sua ocorrência gera uma série de mudanças no padrão de chuvas e na temperatura ao redor do mundo.

Ocorre com uma frequência semelhante e geralmente após o El Niño e possui duração de nove a 12 meses, podendo durar até dois anos em alguns casos. No Brasil, o clima fica mais frio e seco no Sul, enquanto no Nordeste o volume de chuvas é maior.

Tendências do El Niño na agricultura brasileira

Destacamos as principais tendências para o cenário agrícola brasileiro, sobretudo entre os períodos das safras 2023/2024 e 2024/2025:

  • Maior disponibilidade de recursos hídricos no Centro-Sul, beneficiando a primeira safra de milho e soja de 2024. Em caso de chuvas acima da média, haverá risco de perda de culturas e o surgimento de doenças em plantas. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o El Niño poderá reduzir a produção de milho em até 10% na safra de 2024.
  • O El Niño tende a prejudicar a produtividade da safra de 2024 devido às temperaturas elevadas, resultando em uma perda aproximada de 5% da safra de soja.
  • Redução dos índices pluviométricos no Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) dificultando o manejo agrícola, aumentando a perda de produtividade e a concentração de sódio no solo, tornando a terra infértil.
  • Outras safras de 2024, como arroz, feijão, café, cacau, e laranja também podem ser afetadas pela redução dos índices pluviométricos.

Efeitos e condições Durante o El Niño

Altas temperaturas podem interferir na diminuição do volume de água das plantas, afetar a fotossíntese e a absorção de nutrientes, além de aumentar a propensão a pragas.

Medidas para lidar com o El Niño:

  • Cultivo de plantas adaptadas a temperaturas elevadas.
  • Adoção de práticas que aumentem a retenção de água no solo e técnicas de irrigação suplementar quando necessário.
  • Utilização de produtos fitossanitários de forma preventiva.

La Niña e a agricultura brasileira

Durante períodos de La Niña, as chuvas diminuem no Sul e aumentam nas regiões Nordeste e Norte do país. No Sudeste e Centro-Oeste, há riscos de períodos frios e chuvosos.

Efeitos e soluções durante a La Niña:

  • No Sul do Brasil, houve chuvas abaixo da média, crises hídricas e ausência de água potável, causando danos significativos às plantações. As plantações de milho e soja sofreram entre 50% a 80% de perdas.
  • No Sudeste, apesar das chuvas, algumas regiões sofrem com estiagem prolongada, afetando culturas, abastecimento de água e contribuindo para incêndios florestais.
  • As regiões Norte e Nordeste enfrentaram chuvas intensas e inundações, enquanto áreas isoladas do Nordeste sofreram com secas, prejudicando atividades agrícolas.

Como a agricultura regenerativa ameniza os fenômenos climáticos

Melhoria da saúde do solo:

  • Aumento da capacidade de retenção de água: solos saudáveis com altos níveis de matéria orgânica têm uma maior capacidade de retenção de água, o que é essencial durante períodos de seca associados à La Niña.
  • Redução da erosão do solo: práticas como o cultivo de cobertura e o plantio direto ajudam a reduzir a erosão do solo, mantendo a integridade da terra durante chuvas intensas que podem ocorrer durante o El Niño.

Diversificação de culturas:

  • Resiliência a condições climáticas variáveis: a diversificação de culturas pode ajudar a reduzir o risco de falhas totais de colheitas. Culturas diferentes respondem de maneiras variadas às condições climáticas, permitindo que algumas prosperem mesmo quando outras sofrem.
  • Ciclos de nutrientes e saúde do ecossistema: a rotação de culturas e a integração de árvores e pastagens podem melhorar a saúde do solo e do ecossistema, tornando-o mais resiliente às variações climáticas.

Aumento da biodiversidade:

  • Controle de pragas e doenças: sistemas agrícolas biodiversos são menos suscetíveis a infestações de pragas e doenças, que podem ser exacerbadas por condições climáticas extremas.
  • Melhoria da resiliência do ecossistema: a biodiversidade aumenta a resiliência do ecossistema, ajudando-o a se adaptar a mudanças climáticas e eventos extremos.

Práticas de conservação de água:

  • Irrigação eficiente: técnicas de irrigação eficientes, como a irrigação por gotejamento, podem ajudar a conservar água durante períodos de seca associados à La Niña.
  • Captação de água da chuva: sistemas de captação pluvial podem ser utilizados para armazenar água durante os períodos de chuvas intensas do El Niño para uso durante períodos secos.

Sequestro de carbono:

  • Mitigação das mudanças climáticas: práticas como a agrofloresta e o manejo holístico de pastagens podem aumentar o sequestro de carbono no solo, contribuindo para a mitigação das mudanças climáticas que influenciam a frequência e intensidade de fenômenos como El Niño e La Niña.

Produtores devem se educar sobre fenômenos climáticos

As anomalias climáticas já são conhecidas pelos produtores rurais. A compreensão de seus efeitos e a rastreabilidade de sua ocorrência futura ajudam a elaborar mecanismos para mitigar seus impactos no campo.

A agricultura regenerativa oferece um conjunto de práticas que melhoram a saúde do solo e promovem a resiliência dos sistemas agrícolas e, cada vez mais, se fortalece como um caminho sem volta. Essas práticas não só mitigam os impactos negativos dos fenômenos climáticos como El Niño e La Niña, mas também contribuem para a sustentabilidade da agricultura em longo prazo.

Adotar essas técnicas pode ajudar os agricultores a enfrentar os desafios impostos pelas variações climáticas, garantindo a segurança alimentar e a viabilidade econômica de suas operações. Cabe ao produtor investigar a ocorrência de fenômenos climáticos como El Niño e La Niña, de forma que possa elaborar soluções sustentáveis e financeiramente escaláveis para lidar com esses períodos de adversidade.

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