No Brasil, a agricultura familiar (pequenos agricultores) é responsável por 77% dos alimentos que são consumidos pelos brasileiros (IBGE), no entanto, ela está em constante desafio para se manter no mercado, por falta de recursos técnicos, operacionais e financeiros. Com as mudanças climáticas cada vez mais presente, a necessidade de apoio se torna ainda mais essencial, tanto para os produtores, quanto para os consumidores.
A agricultura familiar no Brasil
A agricultura familiar diz respeito a gestão e operação de pequenas propriedades rurais por membros de uma mesma família que possui (quando possui) poucos funcionários, sendo a atividade agropecuária sua principal fonte de renda. A produção geralmente não ocupa extensos pedaços de terra, por isso também referimos como pequenos produtores.
É um tipo de agricultura que se diferencia pela diversificação de cultivos e práticas sustentáveis. Em vez de se concentrar em uma única cultura, os pequenos agricultores cultivam uma variedade de alimentos, como leite, hortifrutis, café, suínos e etc, se opondo as grandes monoculturas focadas na exportação. A agricultura familiar fomenta a segurança alimentar nacional, principalmente quando se trata do consumo interno e da alimentação de cadeias locais e regionais.
Apesar de sua importância para a alimentação da população brasileira, a agricultura familiar enfrenta desafios significativos. Entre os principais obstáculos estão o acesso limitado a recursos financeiros e tecnologias e a dificuldade em acessar mercados, dificultando a sua capacidade de competir com grandes produtores.
A questão do acesso a mercados é particularmente desafiadora. Supermercados e hortifrutis preferem comprar de grandes produtores para simplificar o processo de aquisição e obter maiores volumes em uma única transação. Isso exclui muitos pequenos produtores do mercado ou os força a depender de intermediários, que frequentemente absorvem uma parte significativa dos lucros.
Apesar de todas as dificuldades, o Anuário Estatístico da Agricultura Familiar 2023 relata que: “A agricultura familiar brasileira é a principal responsável pelo abastecimento do mercado interno com alimentos saudáveis e sustentáveis, que busca a preservação dos recursos ambientais, a cultura rural, gera ocupações rurais e promove o desenvolvimento sustentável do País.”
O Censo Agropecuário de 2017 apontou que a agricultura familiar alcançou mais de R$100 bilhões no valor de produção, com maior volume no Sul e no Norte, adotando-se como referência o período de 2016 a 2017, esse valor é o equivale a 23% do valor bruto de toda a produção agropecuária brasileira. Além disso, a agricultura familiar contempla 67% de todo o pessoal ocupado em agropecuária no País, cerca de10,1 milhões de pessoas.
Contribuição para a segurança alimentar
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) afirma que para alcançar a segurança alimentar em nível global é necessário acesso a tecnologias, inovação e políticas sociais para permitir o acesso à alimentação, políticas públicas de crédito, financiamento privado e etc, para possibilitar a melhora, adaptação, transformação e conexão entre diferentes stakeholders visando produzir e consumir com responsabilidade.
A segurança alimentar é a garantia de que todas as pessoas tenham acesso a alimentos suficientes, seguros e nutritivos para levar uma vida ativa e saudável. A produção dos pequenos agricultores influencia diretamente na alimentação da população brasileira. O consumo de produtos variados e frescos majoritariamente são originados por eles, mesmo que não tenham tanto alcance direto ao mercado e aos lucros.
De acordo com os dados sobre a produção da agricultura familiar brasileira, é possível afirmar que ela ficaria como a oitava maior produtora de alimentos do mundo e que ela responde pela dinamização econômica de 90% dos municípios com até 20 mil habitantes, que representam 68% do total (Contag).
Os pequenos agricultores fornecem alimentos diversos para suas regiões, mas mais importante que isso, eles são agentes cruciais para a garantia da alimentação dentro do próprio meio rural. De acordo com a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan), em 2022 nas áreas rurais, mais de 60% dos domicílios vivem com insegurança alimentar.
Segundo a FAO 2016, até 2050 a população mundial deve estar em torno de um pouco mais de 9 bilhões de pessoas, exigindo que a produção de alimento aumente em 70% em relação aos 2,1 bilhões produzidos na época. Isso inclui a produção por pequenos produtores, para garantir que a população brasileira continue se alimentando com dignidade.
No entanto, desde 2016, o representante da FAO, Alan Bojanic, já afirmava que uma das dificuldades encontradas para suprir essa demanda aumentada seria o aquecimento global: “o aquecimento global é o grande desafio que os países têm para produzir alimentos. Temos que nos preparar para contornarmos problemas sérios, como a erosão dos solos e a contaminação e o mal uso da água”, disse. “Além do plantio direto, temos que pensar em práticas sustentáveis, a exemplo da ILPF, que promovam a preservação das nascentes e dos solos”.
O impacto das mudanças climáticas
As mudanças climáticas estão exercendo um impacto profundo na agricultura, afetando a produção de alimentos e ocasionalmente a segurança alimentar.
O aumento das temperaturas médias e a alteração nos padrões de precipitação alteram as condições climáticas ideais para muitas culturas agrícolas. As secas prolongadas, inundações e eventos climáticos extremos, como tempestades intensas e ondas de calor, tornam-se cada vez mais frequentes e intensos. Esses fenômenos afetam diretamente a produtividade agrícola, reduzindo a quantidade e a qualidade das colheitas.
Para os pequenos agricultores, que frequentemente trabalham com recursos limitados e em condições de maior vulnerabilidade, esses impactos são ainda mais desafiadores. A redução na produtividade pode levar a perdas econômicas significativas e a dificuldades para garantir a renda necessária para sustentar suas famílias e suas atividades. Além disso, a variabilidade climática pode aumentar os custos associados ao manejo das culturas, como a necessidade de irrigação adicional ou a aplicação de práticas de prevenção as consequências dessa variabilidade.
Um olhar positivo sobre a relação
De certo modo, os pequenos produtores possuem práticas menos incisivas a natureza, mas para alcançar práticas mais sustentáveis é necessário recursos financeiros e técnicos, principalmente quando se trata de adoção de práticas de mitigação dos efeitos do aquecimento global que exacerbam os problemas já existentes, como a insegurança alimentar e a desigualdade ao acesso a melhorias, além de afetar os ecossistemas agrícolas.
De acordo com o Instituto Ethos: “apesar de os sistemas alimentares serem responsáveis por 73,7% das emissões de gases de efeito estufa brasileiras, como mostrou o novo estudo do SEEG, a parte mais significativa dessa conta não é dos pequenos produtores e da agricultura familiar. As emissões alimentares do país são dominadas pelo desmatamento – concentrado nas grandes propriedades rurais, como mostrou o Relatório do Desmatamento 2022, do Mapbiomas –, que responde por 56% das emissões do setor. Depois, vêm agropecuária (emissões geradas principalmente pelo rebanho bovino), com 34%, e energia, com 6%”.
No entanto, existe algo favorável na relação de pequenos produtores e mudanças climáticas. Suas características como terras menores, baixa mecanização, diversidade de cultivo e maior propensão a sustentabilidade, faz com que sejam ótimos candidatos à adoção de práticas produtivas de adaptação e mitigação às mudanças climáticas.
A mudança nas atividades de produção é algo necessário para todas os setores, inclusive na agricultura como um todo, contudo, é mais do que um fato a realidade de que essa mudança geral irá demorar muito para acontecer. As adaptações e novas prioridades ambientais da agropecuária começam a ganhar destaque recentemente e de forma gradual. Os pequenos agricultores podem ser, se incentivados, um impulsionador de novas práticas para a disseminação de modelagens agrícolas pró-ambiente.
A partir dessa perspectiva, os pequenos produtores podem se beneficiar de investimentos que promovam suporte técnico e financeiro, alcançando meios para que eles prosperem, ao mesmo tempo em que contribuem para um sistema alimentar mais produtivo e mais sustentável em relação as necessidades atuais do planeta.
Políticas de apoio e recursos para agricultura familiar
Os programas de apoio para a agricultura familiar e para a segurança alimentar desempenham um papel crucial na melhoria das condições de vida e na promoção da sustentabilidade agrícola. Eles se concentram em fornecer assistência financeira, técnica e institucional aos pequenos agricultores e comunidades vulneráveis.
PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar
O PNAE é um programa que fornece recursos federais aos municípios para adquirir alimentos destinados à alimentação escolar pública. A legislação brasileira determina que 30% das compras devem vir da agricultura familiar. Isso não só garante acesso a alimentos nutritivos para crianças, mas também apoia a renda dos pequenos agricultores e estimula a compra local. O PNAE contribui simultaneamente para a saúde das crianças, promove a agricultura familiar e apoia a economia local.
PAA – Programa de Aquisição de Alimento
O PAA é uma política pública que financia a compra de alimentos produzidos pela agricultura familiar. Além de fornecer alimentos para programas de assistência social, como a alimentação escolar, hospitais, quartéis e outros pontos, o PAA também ajuda a formar estoques públicos de alimentos, fortalece circuitos locais de comercialização e promove a produção de alimentos orgânicos e agroecológicos. Ele apoia pequenos agricultores e cooperativas, além de melhorar a segurança alimentar e nutricional.
Pronaf – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
O Pronaf é voltado para a agricultura familiar, apoiando pequenos produtores rurais e agricultores familiares. Este programa oferece linhas de crédito para custeio e investimento, com o objetivo de promover o desenvolvimento e a sustentabilidade da agricultura familiar no Brasil. O Pronaf é direcionado a pequenos produtores e suas condições de financiamento, incluindo valores máximos liberados e taxas de juros, são ajustadas de acordo com as necessidades específicas dos agricultores familiares.
Pronamp – Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural
O Pronamp é um programa federal brasileiro que oferece suporte financeiro a propriedades de médio porte no setor agropecuário. Seu objetivo é facilitar o acesso a crédito para atividades de custeio e investimento, ajudando os produtores a expandir e melhorar suas operações. Os recursos são disponibilizados anualmente, após o lançamento do Plano Safra. Ele também incentiva práticas de produção sustentáveis, oferecendo taxas de juros reduzidas para aqueles que participam de programas ambientais ou adotam métodos agropecuários ecologicamente corretos.
Inovação e tecnologia agrícola
Atualmente existem várias startups que desenvolvem tecnologias e serviços para conectar os pequenos agricultores ao mercado, para valorizar suas produções e para promover práticas mais sustentáveis e agroecológicas em suas plantações.
Um exemplo é a startup Agroforestry Carbon que é uma plataforma ESG conectada ao mercado de créditos de biodiversidade agroflorestal (CBA). Essa startup une os pequenos produtores de todo o Brasil a empresas interessadas em compensar suas emissões de carbono.
Por meio de uma plataforma, as empresas escolhem a quantidade de carbono que desejam compensar e por meio da compra de créditos de compensação, os pequenos agricultores são financiados para o plantio e manejo de árvores em suas plantações, desenvolvendo assim as agroflorestas, que são um sistema de ILF que trabalha em benefício e enriquecimento do solo, da biodiversidade, da preservação dos recursos naturais e da captura de carbono.
A startup se preocupa em colaborar com o máximo de produtores possível, e já plantou mais de 100.000 árvores, sequestrou mais de 20.000 toneladas de CO₂, restaurou 120 hectares e produziu mais de 550 toneladas de alimentos.
Seu objetivo futuro é conseguir fazer a ponte também entre os pequenos agricultores e a agroindústria para inserir os alimentos provindos de agroflorestas no mercado com valorização e alcance.
Conclusão
Portanto, ao apoiar e valorizar os pequenos agricultores, podemos transformar desafios em oportunidades e construir um futuro agrícola mais resiliente e sustentável, garantindo a segurança alimentar, principalmente para os brasileiros.
A situação atual dos pequenos agricultores ainda é de vulnerabilidade, no entanto, conhecer e entender os motivos para mudar isso, além dos benefícios e impactos que o investimento nessa parcela do agronegócio poderia trazer já é um primeiro passo.
Como cidadão, você tem a oportunidade de contribuir para essa mudança. Investir em startups vai além do lucro; é uma chance de apoiar negócios que estão promovendo transformações positivas na sociedade e reformulando os modelos tradicionais de produção que afetam significativamente o meio ambiente.